Ana Mari's world!

Leia livre de preconceitos, intensões e expectativas.

sábado, 24 de março de 2012

Sol por sedex

Daí eu queria que parasse de doer. Eu passava a mão em cima, assoprava como quem ameniza um arranhão. Ardia.
Todo dia eu esperava que aquilo doesse e quem sabe ardesse um pouco menos. Mas não, era oscilante como os dias. Havia os dias em que era como se nada tivesse acontecido e que aqueles machucados não passavam de um sonho ruim, e que dali pra frente tudo ia ser diferente e a dor e o ardor seriam como se nunca tivessem existido.
Mas não demorava muito, aquilo tudo que me causava tristeza, aflição e outros sentimentos que não sei colocar como palavras vinham como piaçava em ferida exposta, sem dó, juízo nem piedade, e lá de cima eu despencava como uma jaca podre, me sentindo completamente fragilizada, insegura com a certeza de ser a pior pessoa da face do universo. Porque comigo? Porque de novo?
Eu o conheci no inverno. Em 2011 o inverno foi um período peculiar. Eu estava sem voz, era como um castigo por falar demais. Sem quê nem porque, o convidei para almoçar.
Comemos juntos até pouco antes de o verão chegar. Um amigo meu já havia pronunciado: - Querida, sabes que é primavera, não? Na primavera as coisas ficam mais bonitas mesmo, as pessoas se apaixonam mais, tome cuidado, porque isso pode ter data marcada para acabar...
Eu não lhe dei ouvidos e fui fundo. Era como se eu tivesse acabado de nascer, e com a humildade de uma criança eu seguia os dias, naquele aprendizado de conhecer o mundo do outro, através da percepção que não era minha, tentando achar uma cor que me coubesse, pois era primavera e todas elas me vestiam como uma luva, isso tudo deixava ainda mais complicado escolher apenas uma como definitivo.
Da mesma maneira que eu aprendia fui tentando ensinar, o aluno era aplicado e parecia aprender rápido, porém eu sentia uma insegurança latente que já não era minha. Eu sentia que ele ainda não sabia como demonstrar carinho, como ele era bruto e isso com o passar dos dias vinha como um desmotivador. Mas eu ainda procurava um motivo para tudo aquilo, afinal nossas bagagens culturais eram tão nossas que riam juntas uma da outra, como poderia aquilo tudo, toda aquela felicidade não dar certo?
Ele era meu menino dos olhos, um enviado dos céus, aquele pelo qual eu sempre esperei e nunca soube que o esperava. Com ele era bom até rolar na grama e fazer nada por vontade.
Mas eu sentia que ele me evitava, e daí aquela vontade enorme de querer trazê-lo para meu mundo foi virando algo que eu não sei dizer o que era, mas eu sentia doer como deve doer um tiro. A cada negativa e manifestação de repulsa eu sentia morrer alguns anos, não compreendia de maneira sincera o porque daquilo. Procurava em mim os erros, procurava nos escritos dele os motivos e respostas para tudo aquilo que eu estava recebendo.
O problema é que ele era mentiroso. Se há inverdades numa determinada situação, a probabilidade de se chegar à uma resposta satisfatória com variantes tanto negativas quanto positivas se torna praticamente nula.
Sei como começou uma disputada de quem fazia doer mais, e eu já percebia que da cartilha do amor nada mais se cumpria. Era fato que estava engasgado, mas eu não conseguia descobrir o que ele havia comido mais, pois comermos juntos já era um evento equivalente à uma viagem longa e quase sem novidades. Sem contar que ele nunca tocou e cantou pra mim, nunca me fez um desenho – como ele fazia para os insetos e desconhecidos, carta – nem meia estrofe torta das milhares que escrevia compulsivamente dia-dia, nunca indicou um livro – um cordelzinho vagabundo que não fosse extenso e nem valesse a pena, ou um livro que fizesse sentido na vida ou que o norteasse, nunca ... Nunca disse se gostava de mim, nunca me fez sentir de verdade uma pessoa especial.
Todos os finais de semana se dependesse da vontade aqui da casa, ele estaria à mesa comendo e bebendo de maneira farta e contente. Só que eu não deixei que isso acontecesse... Sentia que se ele entrasse mais um pouquinho no meu mundo não teria mais volta e eu é quem ficaria no chão como um capacho de repartição pública.
Queria que tivesse conhecido meu quarto, visto mais fotos da minha infância, queria que ele dormisse aqui, mas não. Eu queria mais que ele sentisse o que eu sentia, queria mais é que ele sentisse que era tão rejeitado quanto fazia eu me sentir, como ele o fazia. Queria que ele fosse tão anônimo quanto eu era na vida dele, queria que ele fosse quase um segredo, como eu era para ele, para os deles e todo o universo dele. Era muito doído saber que eu era um segredo, era quase uma amante de uma pessoa que todo o meu mundo conhecia e sabia do meu enorme bem querer despudorizado.
A moral da história é que não há uma moral. No frigir dos ovos, dói demais, e eu ainda sofro muito por tudo o que eu queria ter podido dividir com ele e não deu tempo, por tudo que eu propus à ele e foi esquecido. Ainda dói demais saber que não deu certo novamente, que eu pareço ter um dedo podre e me engano vez sim, vez sim, e vez de novo. Sem falar na dó e na pena que me dá de ter que sair por aí mais uma vez buscando por algo que eu já nem sei o que é e se há disponibilidade pelos mercados da vida. Quase morro sempre que eu percebo que infelizmente talvez o que ele realmente goste, o que ele realmente quer eu nunca vou poder dar, e olha que eu não sou de medir esforços quando o intuito é satisfação, porém tenho de entender que por maior que seja o esforço há coisas nessa vida que não tem explicação, que eu devo ter lá algum valor sim e que o amor nunca acaba, porque ele é ódio também, e depois vira amor de novo e você aprende a viver com ele apenas na lembrança.